quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Cmte Zoe - voando nos anos dourados

Zoe Vieira Couto, 75 anos, nasceu em 11 de abril de 1933 em Santa Catarina , e advogada, casada e tem 6 filhos e mais um adotivo.
Conheci a Cmte Zoe a pouco tempo, mas ela me encantou com seu jeitinho simples . Zoe foi a primeira aviadora do estado de Santa Catarina, tem mais ou menos 900 hrs de vôo e é com muito orgulho que eu consegui para o AV uma entrevista exclusiva,com esta simpática aviadora.
Em pleno século XXI, ainda conseguimos encontrar um ou outro que ainda nos olham torto, imaginem esta aviadora que a convite de seu colega Odilon Lunardelli, resolveu desafiar a sociedade e a própria família e na década de 50 decidiu que iria aprender a voar.
Então, vamos conhecer mais sobre a Aviadora Zoe?
AV - Quando você decidiu que seria piloto?
Zoe - Em 1952 a convite de um colega. Fazíamos um lanche juntos,ele trabalhava no Correio e eu no Banco, hoje Banco Bradesco.
AV - E quando foi que você voou pela primeira vez?
Zoe -Voei pela primeira vez em outubro de 1952 com um Instrutor, que era de São João Del Rei de Minas Gerais.
AV - Que emoção você se sentiu?
Zoe - Achei que o mundo era meu lá de cima, nunca mais deixei de querer viver sem essa sensação, um sentimento de liberdade e paz, eu comigo mesma, um jogo só meu e do ar, tive um encontro com o maravilhosa capacidade do homem de inventar coisas inacreditáveis, eu estava voando como um pássaro, surreal, olhava o mar azul e como amei Santos Dumont para sempre! Até visitei a casa dele em Petrópolis,RJ. Quando fui a um congresso da UNE, nos anos dourados, representei a minha Faculdade como a União Catarinense dos Estudantes UCE.
AV - Qual foi a primeira aeronave que você voou?
Zoe - Num Bandeirante de 1922, que veio para o nosso Aeroclube todo emendado, e que foi logo Qual a que mais você gostou de voar?
Zoe - Gostei de voar nos Condron G-3 usado na primeira guerra mundial, que dava para fazer acrobacias e a gente se sentia mais segura, porém firme, eram mais pesados, mais fáceis de manobrar.
Chamava-se teco-teco, todos os aviões que serviram nas duas guerras mundiais, que vinham dos paises da Europa e principalmente dos EUA e Rússia. O nome teco-teco era gíria dos alunos que faziam o curso para tirar o Brevê. Os homens podiam trabalhar nas Companhias de aviação e as mulheres pouquíssimas pioneiras só tiravam licença para voar socialmente.
O brevê não ensinava vôo cego, só a céu aberto.Quando se fazia a prova exigiam no mínimo 5 võos de acrobacia , embora no estatuto da aviação, exigissem 8, antes da 2a. guerra mundial era assim, depois exigiam só 3 acrobacias, diziam que era para se familiarizar com as anormalidades do tempo ou dos ventos dos aviões.
AV - Você sofreu preconceitos na época?
Zoe - Quase nada, pelo contrário virei figura de orgulho para meus colegas de Faculdade, especialmente homens, e até através de mim conseguimos um telefone para o Aeroclube com o Governador na época Irineu Bornhausen, que me recebeu sem audiência prévia e depois de 2 meses o telefone serviu para o avião do Governador de São Paulo, Ademar de Barros, pousar no Aeroclube e a comitiva do Governador de Santa Catarina soube onde Dr Ademar de Barros estava e foi busca-lo através do nosso telefone, pois não havia teto no Aeroclube oficial Hercílio Luz. Todos os colegas queriam me namorar. Até ganhei a eleição de Miss Universitária de SC, quando já voava há 5 anos em 1957.
As mulheres algumas talvez criticassem, mas a maioria tinha orgulho de mim por ser colegas delas, tanto nos meus empregos como na Faculdade. As pessoas acham o máximo uma mulher pilotar aviões em 1953, ainda é diferente e charmoso uma mulher pilotar e fazer acrobacias. Lá no ar.
AV - Com quantas horas de vôo você solou?
Zoe - Solei com 13 horas de instrução, mas exigiam, na minha época l8 horas, eu devia solar com mais horas mesmo, eu era fraca em mecânica, e levei tempo para desmontar e montar o motor no exame com examinadores do DAC do RJ.Foi a única vez que vislumbrei um certo preconceito, mas naquela época era difícil entenderem os sonhos arrojados de uma mulher em voar, eles tiveram um pouco de preconceito comigo, dificultaram o mais que puderam, e o meu fraco era mecânica, passei com a mínima nota.
Mas foi bom para trabalhar alguma virtude masculina em mim, pois eu era muito feminina, aparentava muita delicadeza, isso foi importante para eu construir meu espírito de combate que me vale até nos dias de hoje , nas lutas diárias e vitórias da vida. Hoje ainda aprendo com a experiência tão arrojada e tão forte que me acompanha sempre em todas as rotas de minha existência.
AV -Até quando você voou?
Zoe - Voei até 1959
AV - porque você parou?
Zoe - Como no meu tempo era diferente e se sofria para voar aqui no sul com muito frio e tinha que se chegar ao Aeroclube quase de madrugada. Casei em julho de 1957, mas meu marido voltou para Lages e eu fiquei para terminar 6 meses de Faculdade e conseguir minha transferência de meus empregos para Lages, interior de SC. Depois que vim morar em Lages em 1959 aí ainda voei com um cunhado meu e uns amigos dele, dos quais os 2 que voaram comigo já morreram e meu cunhado está com 86 anos hoje.
Parei porque tinha que tirar nova licença em Canoas - RS, e eu já tinha filhos, e estavam numa idade de terminar de cria-los, já tinha todos e os mais velhos estavam na adolescência e os demais na puberdade e ir até lá custava muito caro , e fiquei impossibilitada de conciliar trabalho, criação dos filhos e a aviação,até tentei revalidar, mas já havia passado muito tempo e o DAC disse que eu teria que repetir todos os exames, os aviões também ficaram muito diferentes, agora eram com manche de volante, eu aprendi com manche igual a alavanca que se muda a embreagem dos carros até hoje.
Além de que hoje e já desde a década de 70, usam aparelhos que prevê o tempo em vôo cego. Em aviões de aprendizagem no aeroclube não se aprendia a voar com aparelhos para vôo cego, já existia vôo cego, mas os aeroclubes passavam dificuldades logo após o término da segunda-guerra mundial e não ensinavam. Na minha época contornava-se estradas, mar, rios, algo que nos guiasse a olho nu . Em um pouso meu que pretendia fazer em Tubarão, na época de um Carnaval, não achei o Aeroporto, pousei na praia de Imbitiba, próxima à Tubarão e decolei de lá também.
Hoje Imbitiba é um município com linda praia cheio de turistas..Naquele tempo era deserta não se colocava em risco ninguém, embora fosse aceito com restrições, se estivéssemos perdido no lugar. Mas havia a fiscalização da base aérea desde a guerra e se algo fosse descoberto, pegaríamos três meses de suspensão, e não poderíamos voar por aquele período..
Se estavamos perdido no ar, fazia-se o que fosse possível, eramos jovem e nunca achávamos que íamos morrer. Hoje não faria assim, porque está tudo mais fiscalizado
AV - Qual aviadora você mais admirou?
Zoe - Anésia Pinheiro Machado, primeira aviadora brasileira a realizar em 1951 um vôo transcontinental, ligando as três Américas, em vôo de Nova York ao Rio de Janeiro e também a que cruzou a Cordilheira dos Andes em avião monomotor, pela rota comercial , de Santiago (Chile) à (Argentina),no Brasil, um marco para à humanidade feminina, provou para nós mulheres que não há limites para se realizar sonhos, por mais intrépidos e, independente de época e limitações científicas e geográficas.
E o aviador Antoine de Saint-Exupéry nacionalidade francesa, que viajou muito para SC onde na praia do Campeche, ilha de Florianópolis, existe uma placa onde ele pousava e passava temporadas com os pescadores- longo dias falava poeticamente. Além de outros famosos Orville e Wilbru Wright-irmãos que disputavam mundialmente quem foi o primeiro inventor a voar num aparelho mais pesado que o ar. Mas até o presidente Bill Clinton, dos EUA , em pleno o século XX, que reconheceu pela primeira vez , e oficialmente que foi Albert Santos Dumont brasileiro, que começou com balões e foi o primeiro voar ao redor da torre Eiffel, nós brasileiros temos convicção ter sido Santos Dumont.
O vôo que lhe deu a vitória, foi quando voou ao redor da Torre Eiffel na França! Com uma multidão de pessoas assistindo, que para época pode-se dizer multidão, porque muitas pessoas não acreditavam que um homem poderia voar num aparelho mais pesado que o ar era um balão dirigível..
AV - Hoje existe um grupo chamado aviadoras, elas promovem um encontro anual onde trocam experiências e tentam ajudar as mais novas. o que você acha disso? você teria algum conselho a dar a todas?
Zoe - Eu penso que é maravilhoso, hoje as mulheres têm essa oportunidade na vida, o que vale da vida é apenas a celebração de viver, independente do tema que ela seja celebrada.
Nesse envolvimento feminino e fantástico, temos a oportunidade de nos fortalecermos em cada encontro, nos oxigenarmos para nos reconstruirmos quando necessário.Experiências, tempos e culturas diferentes, uma nova versão feminina, mais feliz, mais leve, e mais positiva.
Sabemos que conquistamos até aqui a liberdade feminina, embora infelizmente, ainda não alcançamos a igualdade econômica, nosso salário é menor que o dos homens no mundo, aconselho as minhas filhas a serem independentes, para que os homens paguem as contas deles e elas as delas para não, confundirem libertação feminina, com libertação e igualdade financeira entre os dois sexos , não é mesmo?
Hoje, a humanidade feminina está adiante dos sacrifícios de minha época, hoje elas são mais independentes, mais livres e têm a capacidade incrível de serem o que desejam no mundo, na minha época, era difícil alcançar sonhos tão diferentes dos padrões femininos daquele tempo, a mocidade hoje luta, hoje vai onde quer, hoje ela não tem dúvidas do que quer no mundo, hoje as mulheres conquistaram o mais incrível para elas, a auto estima, a fé de que tudo vai dar, e o amor, causa de mais sensibilidade, característica inerente a mulher,atualmente no Brasil somos também chefe do lar junto com o marido e carregamos os compromissos do lar, somos suficientes em áreas antes nunca sonhadas por mulheres, somos felizes com nossos homens porque somos respeitadas e conquistamos isso através de áreas importantes para esse grande feito, abrimos frente para aquelas que nem nasceram, mas que farão com certeza, ponto na história, hoje somos reconhecidas, seguras e compartilhamos o mundo com muita fé e estudos ou muito trabalho, por isso, nos ensinaram a chegar onde estamos, sem persistência, resistência, sem desistir nunca, não seríamos capazes de tantas conquistas, amamos tudo que existe de bom na humanidade e conseguimos estar ao lado de tudo que é bom para nós, mulheres, porque com a graça divina, Deus fez homens e mulher fortes e os deu o livre arbítrio que nos ensinou a não termos medo, e que nos encorajarmos em momentos difíceis quando achávamos que não poderíamos... O que, uma mulher, se não fosse determinada e corajosa e no alto da sua conquista tenha um pai, amigos, irmãos , filhos e um amor de um homem amado? Sem nossos pais não poderíamos , visualizarmos onde estamos, porque não haveria parâmetros de conquista feminina se não houvesse pai e mãe dedicados .
Hoje nos vemos, fortes, bravas, lutadoras como eles e o principal, com uma feminilidade incrivelmente charmosa para colorir e alegrar as nossas vidas. Hoje o mundo é mais charmoso porque atuamos diariamente e compartilhamos sonhos sem a guerra dos sexos e sim com sexo amor, felicidade, comunhão e amor no mundo feito de homens e mulheres
Nós mulheres no outono da vida, como eu. e as novas lutem sempre por liberdade, paz e amor, que haja menos violência nesta terra. As que já voaram e as que voam nos dias de hoje. Lutamos por uma segurança nos Aeroportos, horários cumpridos e campos longe do centro das aglomerações de casas que não prejudiquem a aviação brasileira do nosso querido e imenso país
Às mulheres aviadoras profissionais e sociais e as ex-aviadoras vivas, termino com as palavras de um amigo, era mais o menos assim”, já falecido de SC, que dizia:” Onde abrigar o mundo a não ser no coração?
Cmte Zoe nunca você será uma ex aviadora. Você sempre será uma Aviadora, uma mulher muito a frente do seu tempo, um exemplo para cada uma de nós.


Ana Mercante – Aviadoras




É proibida a reprodução desta matéria sem a autorização . Para obter a autorização entre em contato pelo email encontroaviadoras@gmail.com



2 comentários:

Unknown disse...

MINHA MÃE... UAM OTIMISTA SOBREVIVENTE... NÓS A AMAMOS MUITO.

Unknown disse...

OBRIGADO PELO CARINHO DE VCS... UMA FORTE ABRAÇO ANA, PARA ELA COM QUASE 80 ANOS.. ISSO FOI UMA GRANDE HOMENAGEM,